Apenas Homens

“Eis que te procuro agora como nunca, te espero agora como nunca. Se tu viesses… A casa fica no meio de oliveiras e de um quintal de verdura. O tempo não passa por ela distraído, e demora-se sempre um pouco. Quando é pela primavera, há flores nas macieiras e pintainhos novos pelo pátio. E quando é o verão, há as manhãs solenes, e quando é o outono, o ouro das colheitas. Lembro essas manhãs e o brilho fresco da água pelas noites sufocantes de julho, e o frémito da terra na hora do recomeço. Meu pai, quando parti, disse-me:

– Volta.

Minha mãe olhava-me em silêncio, dorida, e todavia serena como se detivesse o fio do meu destino, ou soubesse, da sua carne, que tudo estava certo com a vida: o nascer, o partir, o morrer.

– Volta – repetiu ainda meu pai.

Eis que volto, enfim, nesta tarde de inverno, e o ciclo se fechou. Abro as portas da casa deserta, abro as janelas e a varanda.” (Vergílio Ferreira, Apenas Homens, “Carta”)

“Apenas homens é ‘uma coletânea de coisas de várias épocas, dispersas por jornais e revistas, com raros contos inéditos, e reunidos a pedido do editor para esta coleção. O seu interesse é, pois, muito variado. Há coisas aceitáveis (‘A estrela’, ‘Há galinha’, por exemplo) e outras que se incluíram, apenas por estarem irremediavelmente publicadas. Daí o não ter incluído este livro nas ‘Obras do autor’. [Transcrição de parte da dedicatória do Autor ao ensaísta João Décio, datada de agosto de 1974, Praia das Maçãs]. (…) Embora tais narrativas tenham sido reunidas quase que aleatoriamente para atender a interesses que não os propriamente literários, foi possível, através da sua análise, determinar uma temática convergente. Dentre outros, afloram dois aspetos de suma importância, o ético e o estético. Entretanto, por razões que no momento não importa referir, optamos pelo primeiro, aliás, predominante nas narrativas de Apenas Homens.”

Ficha Técnica

Apenas Homens, Inova, Porto, 1ª Edição, 1972