Ficha Técnica

Escrever. Amadora : Bertrand, 2001

Escrever

“Que é que me diz à evocação a montanha onde nasci? Os uivos do vento numa noite de tempestade, a neve do início genesíaco. Mas o mar diz-me da constante inquietação e só a montanha me lembra o estável e o eterno. Massa enorme, nascida do ventre da Terra, está ali repousada sobre o seu ser, feita da substância da eternidade. Assim ao contemplá-la eu próprio repouso sobre mim, esvaziado do que me oprime ou inquieta, transmudando-me ao que nela há de estável e denso e alastrado aos poderes cósmicos. Como tudo o que é imenso dissolve-me a pequenez ou equilibra-a no que a transcende como se transposta à sua grandeza que me reabsorve em si e me dissipa a minha própria individualidade. Que é que me fala à evocação da montanha que perdi? Não sei. Talvez apenas a humildade do meu ser que se desvanece.” Vergílio Ferreira (Escrever)

“Para que percorres inutilmente o céu inteiro à procura da tua estrela? Põe-na lá.” (Escrever)

“’Escrever’ (…) é um conjunto de pensamentos difícil de definir. Há fragmentos que andam próximos de ‘Pensar’ – os mais difíceis de definir, porque ora rasam a poesia, ora são vagamente filosóficos -, e outros que andam próximos de ‘Espaço de Invisível V’, que são os mais filosóficos. Outros ainda são sobre a matéria da escrita, mas há também fragmentos sobre o abismo para onde, na opinião do romancista, caminha a civilização – o poder perverso da televisão –, a proximidade da morte, a velhice – enfim, os temas de sempre do autor de ‘Para Sempre’”,

Escrever organiza-se por números (378, no total) correspondentes a outras tantas reflexões, aforismos e fragmentos de ideias sobre a escrita, a velhice, a felicidade, o eventual fim do romance, o País, a Europa…

(…)

Além da ironia, transparece também neste segundo livro póstumo – que apesar de fragmentado se lê como um todo – a suprema interrogação de um homem. Seja ela dúvida metódica ou não, é pelo menos de alguém que não receia a ausência de certezas.”