A Face Sangrenta, Contraponto, 1953
A Face Sangrenta
“Porém a Grande Voz, dizendo banalidades, tornava-se por isso mesmo profunda, como os textos dos profetas. Quando a rádio anunciava que ‘ vai falar Filipe’, todos nós tremíamos de comoção. Particularmente nós, os jovens, que acima de tudo amávamos a esperança. ‘Filipe’ era, obviamente, um pseudónimo, ou seja, um meio de prolongar o mistério. Artur explicava-nos que significava ‘amigo de cavalos’, o que o fazia acreditar, secretamente, que a Grande Voz era também de cavalaria. Eu, que no entanto me viciara no raciocínio, hesitava diante deste ruído oco de tambor. Mas só à noite, no silêncio do meu cigarro solitário. Porque ali, ouvindo a rádio, eu tremia como os outros.”, Vergílio Ferreira (“O Jogo de Deus”)
“Agora a serra descia a toda a pressa para a aldeia. Depois, tranquila, alastrava devagar num grande vale, para subir ainda, suavemente, lá ao longe. (…) Quando porém, vencida logo adiante uma pequena colina, se lhe levantou do chão o pico da torre do Paço com a massa negra das ruínas, ele parou ainda, emocionado, na expetativa dolorosa de ver surgir o Outeiro.”, Vergílio Ferreira (“O Encontro”).