Ficha Técnica
Manhã Submersa. Lisboa : Sociedade de Expansão Cultura, Edição Especial, 1954
Manhã Submersa
“Foi quando, ao vencermos uma rampa da estrada, mudo das sombras de uma espera. Começou a erguer-se, terrivelmente, desde os abismos da terra, o vulto grande do Seminário.
– Cá estamos – murmuraram em redor.
Quieto um momento, no longo pavor da noite, olhei do fundo da minha solidão a mole enorme do edifício e arranquei para a minha aldeia distante um grito de dor tão profundo que só eu o ouvi.”, Vergílio Ferreira (Manhã Submersa)
“De outras vezes, Gaudêncio contava coisas que se diziam dos padres; e uma tarde de verão que subíamos um monte, ele parou e perguntou-me:
– Tu nunca, nunca pensaste assim: ‘E se Deus não existe?’
Fiquei sem fala, Olhei Gaudêncio com terror. Porque tudo poderia entender: as faltas ao Regulamento, a familiaridade com o pecado e até mesmo o falar-se mal dos padres. Mas pôr em questão a existência de Deus parecia-me naturalmente um prodígio maior que o próprio Deus. (…) Se Deus não existisse… Não imaginava ainda então todas as consequências de um mundo despovoado da divindade. Mas sentia flagrantemente que toda a máquina complicada que me trabalhava a infância, e que Deus fiscalizava de olhar terrível, se arruinaria por si.”, Vergílio Ferreira (Manhã Submersa)