Ficha Técnica
Apelo da Noite. Lisboa : Portugália Editora, 1963
Apelo da Noite
“E longo tempo se entreteve a decorar os muros brancos do quarto. Assim se lhe insinuava o prazer tão vulgar (e tão ilícito talvez) de liquidar um erro, de recomeçar… A cama, transformada em sofá, mantinha durante o dia no compartimento um arrumo de escritório. A Guernica de Picasso, contra a parede do lado, ó angústia carnal de um mundo esquarteja! Seara de fogo, alucinada de corvos frente à mesa, na parede do fundo – Van Goch. Noutros muros, outros quadros, de Cézanne, Braque. E um díptico de fotografias dos ‘seus escritores’: Eça e Malraux.
(– Como associa você dois escritores tão opostos? – perguntara-lhe um dia alguém.
– Não sei. Mas Eça não me diverte. Dá-me uma saudade profunda de um tempo que não tive, e que nunca poderia ter existido.)”, Vergílio Ferreira (Apelo da Noite)
“Só Adriano para ali estava ainda, assolado de fadiga, destruído de horizontes ilimitados. Onde o seu apelo antigo à razão? Onde a confiança numa verdade nítida e final? A vida real falava outra linguagem, uma linguagem precisa, fatal, apontada a um rumo certo. A Paz! O absoluto mais alto do que a dor e a morte. A harmonia de um espírito instalado num corpo e de um corpo instalado num espírito. Ao menos a certeza de uma ação, surda embora de razões, embrulhada da incoerência das ideias, era honesta, se fosse inteira e perfeita a ação.”, Vergílio Ferreira (Apelo da Noite)