Ficha Técnica

Alegria Breve, Lisboa : Portugália, 1965

Alegria Breve

“O meu corpo o sabe, na humildade do seu cansaço, do seu fim. Alegria breve, este meu sabê-lo, esta posse de todo o milagre de eu ser e a deposição disso para o estrume da terra. Sento-me ao sol, aqueço. Estou só, terrivelmente povoado de mim. Valeu a pena viver? Matei a curiosidade, vim ver como isto era, valeu a pena. É engraçada a vida e a morte. Tem a sua piada, oh se tem. Vim saber como isto era e soube coisas fantásticas. Vi a luz, a terra, os animais. Conheci o meu corpo em que apareci. É curioso um corpo. Tem mãos, pés, nove buracos. Meteram-me nele, nunca mais o pude despir, como um cão à cor do pêlo que lhe calhou. É um corpo grande, um metro e oitenta e tal. É o meu corpo. Calhou-me. Movo as mãos, os pés, e é como se fossem meus e não fossem. É extraordinário, fantástico, um corpo. Com ele e nele tomei posse e conhecimento de coisas espantosas. Não seria uma pena não ter nascido? Ficava sem saber.” (Vergílio Ferreira, Alegria breve)

 “Reli trechos de Alegria Breve. É o livro em que melhor me reconheço. Voltar a ele. Reapreendê-lo.”(Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 4)

“Tudo o que chegou à aldeia de Jaime Faria para disputar o trono divino defendido pelo padre Marques, os ídolos novos da civilização moderna, todos eles aureolados de soberba (o amor convertido em erotismo, a ação revolucionária, o progresso científico e tecnológico, o panteísmo metafísico), foram efémeros e débeis. Atrás da decadência ficaram os seus escombros no mundo, as ruínas da aldeia, e a convicção, para o homem que a habita, de nenhum absoluto de salvação e esperança para ele fora de si mesmo.”