Invocação ao meu corpo

“É enorme a distância do interrogar-me sobre o que me envolve – as estrelas que me fitam, a terra que adormece e em que me firmo – à luz que irrompe de mim, fulgurante, absoluta. (…) Mas que a esse facho o voltes contra ti, que o teu olhar se oriente não para onde se orienta a tua luz e sim para a própria luz que jorra de ti – e o teu espanto raiará à loucura.” (Vergílio Ferreira, Invocação ao Meu Corpo)

“Mesmo o fulgor do que acontece no tempo e salta para além dele, uma música de outrora, mistério das coisas simples, vêm ter comigo e é na dimensão última de mim que tudo isso se revela e tem razão.” (Vergílio Ferreira, Invocação ao Meu Corpo)

“É o fim da vida e do mundo, meu corpo, é a hora de e recolher a ti, à tua divina humildade, é a hora de te agradecer. Torrente de alegrias, de sofrimentos, de espantos – meus olhos, minhas mãos… Vi a terra e a luz, os bichos e as flores, tive nas mãos as pedras, a lama, o suave corpo da mulher. E como Deus, após a criação, vi que tudo era bom.” (Vergílio Ferreira, Invocação ao Meu Corpo)

“(…) numa torrencialidade meditativa ou reflexiva e interrogante cuja superior realização surge em 1969, com o longo ensaio Invocação ao Meu Corpo, teórica meditação desbordante em redor dos temas exercitados nos romances (e posto que nestes as ideias se reabsorvem em carne, sangue, nervos) mas alargada a problemática aí centrada no corpo enquanto realidade espírito-matéria e elemento mediador na organização (interior) de um espaço vital; nele a meditação recobre-se de uma atmosfera de quase ficção, através do ‘eu’ que subsume a reflexão – e arrisco não existir na literatura deste século, portuguesa mas também de outras latitudes, um rigoroso correspondente para um tal livro; ensaio de uma incomparável densidade, é a obra de um exegeta e pensador interrogativamente atento às grandes questões do seu tempo (incluindo um ‘Post-Scriptum sobre a revolução estudantil’ de Maio de ’68, em França) e meditação fenomenológica em torno do corpo, ente que o escritor por vezes revela como, no seu caso pessoal, escravo ou ‘faltoso’ relativamente a uma qualquer ‘falha’ ou pecado original”

“Obra original e poderosa, espécie de suma poético-filosófica da cultura e do sentir do homem do nosso tempo, nunca Invocação ao Meu Corpo, ao longo dos mais de vinte anos que nos separam já da sua publicação, recebeu a atenção que lhe seria devida. Talvez por ter sido considerada demasiado filosófica para motivar a crítica literária e demasiado literária para motivar a crítica filosófica… Talvez. Mas, a meu ver, é justamente no balancear entre estes dois excessos que se situa a força desta obra.”

“A evidência da linguagem vem depois da evidência do ‘eu’ e da evidência do corpo, conjugando-as: é a questão-limite, a última das ‘aparições’ e tornar-se-á, a partir de Aparição e de Invocação ao Meu corpo, o grande tema da obra de Vergílio Ferreira.”

Ficha Técnica

Mudança, Editora Portugália, Lisboa, 1969