MELO E A MONTANHA OU A DESCOBERTA DA VOZ DA ESCRITA EM VERGÍLIO FERREIRA

Vergílio Ferreira afirmou, em entrevista a Lauro António, gravada em Melo e incluída na média metragem“Vergílio Ferreira numa Manhã Submersa”:

“gostava de salientar que as relações entre o real e a arte não são imediatas (…) um artista não começa a ser artista em função imediata do real. Começa a ser artista em função de outro artista. Mas é evidente que depois de se descobrir a arte, nós descobrimos a nossa voz, e aí o real tem uma imediata função, pois a minha voz descobri-a assim, em função disto, em função da montanha.”

O Roteiro Literário Vergiliano, organizado pelo Município de Gouveia, procura, assim, dar a conhecer não só os lugares que inspiraram a construção da “aldeia eterna” do autor de Manhã Submersa, mas também que moldaram a voz da sua escrita. É essa voz que o leitor escuta ao percorrer a aldeia de Melo ou os caminhos da montanha que daí se avista. É essa voz que dá corpo ao principal topografema da ficção de Vergílio Ferreira: a aldeia do concelho de Gouveia em que nasceu, às três horas da tarde do dia 28 de janeiro de 1916.

O autor em Melo, aquando das filmagens do documentário de Lauro António, “Vergílio Ferreira numa Manhã Submersa

Inauguração do Roteiro Literário Vergiliano pelo Presidente da República, em agosto de 2016

CASA VERGILIO FERREIRA – PARA SEMPRE

A aquisição da casa amarela (“Vila Josephine”), efetuada pelo Município de Gouveia, à sobrinha de Vergílio Ferreira, Filomena Rodrigues, significou uma excelente
notícia para a cultura nacional e, sobretudo, para a comunidade de leitores e investigadores da obra literária do autor de Para Sempre. Leitores e investigadores que,
em breve, poderão ter acesso ao interior da casa que se constituirá igualmente em centro do Roteiro Literário e Residência Artística. Fica, assim, a certeza de que o Município de
Gouveia dará continuidade – após o intenso e interartístico programa comemorativo do Centenário do Nascimento de Vergílio Ferreira, realizado ao longo de um ano (entre 28
de janeiro de 2016 e 28 de janeiro de 2017) – à celebração do tempo imemorial da palavra vergiliana. Sabemos, aliás, que o tempo do romance Para Sempre se sente
melhor, inevitavelmente, no interior da casa amarela. Tempo da perfeição da palavra que escapa ao seu narrador-protagonista, mas que habita, podemos dizê-lo, este
romance e a casa da sua arquitetura ficcional:

“Instauro o escoamento do tempo no absoluto do meu instante. (…) A sala
imobiliza-se no fundo das eras, a sala, a casa, a toda a roda espectrais os frescos do
pintor. Suspendo eu próprio o meu gesto, atento a um qualquer indício de vida que não
sei. (…). Ao longe a montanha estala de aridez. (…) E como se nos começos do mundo,
um relógio bate a sua pancada pendular nas margens do grande rio.”

“Mas de qualquer modo agora estou ligado à solenidade desta casa também, intensamente, emotivamente aqui regresso sempre que posso, porque eu sou daqui.”

Vergílio Ferreira