Até ao Fim
“Estou parado à porta da capela, há um terreno à frente e depois a queda a pique para as águas. Passei a noite sozinho, fui homem. Quero dizer fui perfeito. Não é que tivesse muito a conversar com o meu filho, que dorme ali no caixão. Mas o que houvesse a dizer era só entre os dois.”, Vergílio Ferreira (Até ao Fim)
“Olho-o agora na quietude da manhã. E bruscamente apetece-me insultá-lo. Estúpido, estúpido. Mas ele tinha quase um ar feliz. Estúpido, disse ainda, desarmado na minha cólera, arrasado de fadiga. O que foste fazer. Uma vida inteira para te explicar, não consegui. Explicar-te que para lá de tudo estava a vida e isso é que era tudo. Que é que tinhas que querer outra coisa acima dela? Justificá-la é pôr outra coisa acima e tudo é mais abaixo. (…) Nunca soubeste a verdade da luz e da chuva e do vento, a estranha vertigem de um corpo e não consegui ensinar-te. Inutilizaste o trabalho de biliões e biliões de humanos para tu existires. (…) Queria talvez admirar-te um pouco, compreender-te, não sou capaz. Se bem te lembras, nunca te pus a mão em cima, tu eras tão precioso. Mas o teu erro estúpido, só talvez esbofeteando-te.”, Vergílio Ferreira, (Até ao Fim)
Ficha Técnica
Até ao Fim, Bertrand, Lisboa, 1987.