Uma esplanada sobre o mar

“Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,

(…)

– se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre… (Vergílio Ferreira, Uma Esplanada sobre o Mar)

“Toda a aldeia era feita de um tempo muito antigo. Nas casa, nas ruas, nos usos e nos costumes. Mesmo os corpos dos aldeões, no jeito especial de os utilizarem, tinham também um toque rude e primitivo. O modo de andar, por exemplo, era desengonçado e langão, como se levassem às costas a sua carga de séculos. Mas era sobretudo nas casas que o peso do tempo mais se sentia. A gente olhava-as e via logo que tinham sido construídas no eterno. Lôbregas, escuras, entroncadas, todas elas eram sombra, e nada melhor para se saber que a vida humana é transitória. Nascia-se nelas ao longo das gerações, vivia-se até à morte, elas ficavam.” (Vergílio Ferreira, Uma Esplanada sobre o Mar)

“Seja como for, estes poemas, vindos pela segunda vez a público, obrigam-nos a uma releitura e talvez a uma clarificação do que antes era impressão global, em leitura despreocupada.

Quanto à temática, os poemas aí inseridos, em número de quinze e em blocos de cinco, não desmentem as obsessivas preocupações do seu autor.

(…)

A funda impressão que a leitura de Uma Esplanada sobre o Mar nos deixa é a de o mundo aqui plasmado é um mundo que arrasta consigo o peso da desgraça. De palavras que parecem feitas por medida, para serem exatamente (e apenas) o que são, de frases onde nada se esbanja, mas onde se percebe o que se diz e o muito que fica por dizer, estes contos – à exceção de ‘Sociedade recreativa’ – trazem consigo o selo mortal. Como sempre em Vergílio Ferreira.”

Ficha Técnica

Esplanada sobre o mar, Difel: lisboa, 1986