Ficha Técnica
O Caminho Fica Longe. Lisboa : Editorial Inquérito, 1943
O Caminho Fica Longe
“Rui leu a notícia da morte de Luísa na porta da Associação Académica. O enterro teve grande acompanhamento. Houve quem anotasse: ‘Formidável, caramba! Há muito que não via um enterro assim’. Rui seguira a urna de perto. Ia seco, passado de um palor de cadáver. E ia só, desligado de toda a gente. Dir-se-ia que ninguém mais acompanhava Luísa. À roda dele, estabelecera-se o vazio; à roda dele e à roda de Luísa: eles sós ali. Mas ela não ia no caixão, e aquele fatinho branco com que a vira vestida, havia minutos, dava-lhe a vaporosidade de um ser ideal. Luísa erguera-se, andara, e ia ali ao pé dele. Na cor branca de cal das faces, alastrava um tom róseo, medroso. Os olhos azuis readquiriam meiguice. Linda, a Luísa! E toda vestidinha de branco, com a massa loira dos cabelos espumosos em que pousava um véu de renda subtil! E o véu crescia, rolava… Já lhe caía aos pés, e, por um capricho estranho começava a alongar-se, rastejando em causa. Luísa noiva, de braço dado agora. Braço fino. Cinturinha débil. À volta deles, circulavam ondas de um murmúrio espraiado. Toda aquela gente que ali vinha formava, afinal, o cortejo de convidados para o festim. Luísa risonha e ele… tão feliz. (…) Luísa, a virgem, a rapariga que ele arredava escrupulosamente, da imaginação, nas noites de sábado, Luísa ia ser dele.”, Vergílio Ferreira (O Caminho Fica Longe)