Uma esplanada sobre o mar
“Se eu soubesse a palavra,
a que subjaz aos milhões das que já disse,
a que às vezes se me anuncia num súbito silêncio interior,
a que se inscreve entre as estrelas contempladas pela noite,
a que estremece no fundo de uma angústia sem razão,
a que sinto na presença oblíqua de alguém que não está,
a que assoma ao olhar de uma criança que pela primeira vez interrogou,
(…)
– se eu soubesse a palavra,
a única, a última,
e pudesse depois ficar em silêncio para sempre… (Vergílio Ferreira, Uma Esplanada sobre o Mar)
“Toda a aldeia era feita de um tempo muito antigo. Nas casa, nas ruas, nos usos e nos costumes. Mesmo os corpos dos aldeões, no jeito especial de os utilizarem, tinham também um toque rude e primitivo. O modo de andar, por exemplo, era desengonçado e langão, como se levassem às costas a sua carga de séculos. Mas era sobretudo nas casas que o peso do tempo mais se sentia. A gente olhava-as e via logo que tinham sido construídas no eterno. Lôbregas, escuras, entroncadas, todas elas eram sombra, e nada melhor para se saber que a vida humana é transitória. Nascia-se nelas ao longo das gerações, vivia-se até à morte, elas ficavam.” (Vergílio Ferreira, Uma Esplanada sobre o Mar)
Ficha Técnica
Esplanada sobre o mar, Difel: lisboa, 1986