O Essencial sobre Vergílio Ferreira de Helder Godinho, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2017
A Imprensa Nacional-Casa da Moeda acaba de publicar o n.º 131 da coleção O Essencial sobre, dedicado a Vergílio Ferreira. Com algum atraso – atendendo à importância e à dimensão da bibliografia, na literatura e no pensamento de língua portuguesa, do autor de Alegria Breve –, o volume agora editado traz a assinatura de Helder Godinho, um dos mais marcantes ensaístas dos estudos vergilianos e autor de, entre outros títulos, O Universo Imaginário de Vergílio Ferreira (1985), ensaio pioneiro sobre o romancista e a primeira tese de doutoramento consagrada, em Portugal, a um autor vivo.
Helder Godinho considera que, na ficção de Vergílio Ferreira, “há uma evolução teórica que o último romance, Na Tua Face, fecha de forma muito curiosa e um pouco surpreendente” (p.20). Deste modo, a partir dos poemas de adolescência e, sobretudo, do romance de estreia (O Caminho Fica Longe), todo o seu percurso é acompanhado pela “Presença ausente” do Pai e da Mulher. Ao referido percurso evolutivo, encetado pela arquipersonagem vergiliana (conceito criado por Helder Godinho), pertence igualmente a demanda da Palavra que culminará no romance Para Sempre. A “questão do sentido da vida vai ser resolvida” (idem: 63), porém, pela arquipersonagem, no citado Na tua Face.
Em O Essencial sobre Vergílio Ferreira lemos, pois, uma breve, mas aliciante viagem pelos “marcos fundamentais da evolução intelectual de Vergílio Ferreira” (p.14), caminho, afinal, com mais de quatro décadas de criação literária e cujo trajeto é, segundo Helder Godinho, já visível, como assinalado, nos poemas do jovem seminarista e nos seus romances iniciais. A destacar o aqui observado, Helder Godinho cita este belíssimo excerto de Vagão ‘J’: “Nos campos a vida grita uma plenitude de sangue fresco, o céu é azul. Por isso custa morrer. […] A vida é o primeiro dia, é a hora, o minuto primeiro, não o momento e a hora que se somaram a outra horas e minutos.” (apud 2017: 18).
Vergílio Ferreira, Seminarista nos Seminários do Fundão e da Guarda de Arnaldo Saraiva, Editora Exclamação, Porto, 2017
No início desta monografia, Arnaldo Saraiva observa que Vergílio Ferreira “espera ainda, e merece, uma biografia digna” (2017: 7). Tem razão o autor, pelo que o seu trabalho, agora publicado, oferece um interessante contributo para um dos muitos capítulos dessa desejada biografia do autor de Aparição, por sinal dos mais assumidamente negativos da existência de Vergílio Ferreira: falamos, como resulta do título do trabalho de Arnaldo Saraiva, da passagem pelos Seminários do Fundão (1926-1931) e da Guarda (1932). Nos seis anos passados no Seminário, o escritor nascido em Melo recolherá, porém, a matéria para o romance autobiográfico, Manhã Submersa, adaptado ao cinema por Lauro António, em 1979, e cuja tradução obteve, em França, o prestigiado Prémio Fémina, no ano de 1990. Ainda no que diz respeito à “marca” (dos muitos títulos que chegou a pensar para este romance, um deles foi, precisamente, A Marca) deixada pelas vivências do Seminário transportadas para o livro em causa, lemos na página deste site, dedicada à sua biografia, o seguinte excerto, respeitante ao ano de 1929 (https://vergilioferreira.pt/11-2/):
No seminário escreve várias composições literárias que anota em cadernos de apontamentos. Num desses textos, intitulado “Sobre a campa do nosso companheiro”, recorda o malogrado amigo que o ajudará, mais tarde, na construção da personagem do Gaudêncio de Manhã Submersa:
“Que profunda saudade deixaste nos teus companheiros, mestres e superiores! Eras a alegria de todos, um grande modelo de virtude e um exemplar, que a todos edificavas. A tua tão consoladora memória, jamais se apagará do nosso coração. A tua piedade, perfeito recolhimento e modéstia, deixaram em nós um profundo sentimento, convidando-nos assim a aperfeiçoarmo-nos cada vez mais. (…) Ah! mas Deus roubou-te do nosso convívio, porque a tua alma Lhe era muito querida. Agora, já que tu não tiveste a ventura de subir os degraus do altar, roga a Deus, que nós tenhamos essa consolação.
Seminário do Fundão 17 de Fevereiro 1929
Virgilio A.F. Oliveira”